terça-feira, 14 de maio de 2013

Um poema

Então, um beijo.
Um longo vestido preto
E olhos de mar.
Branca, não como mármore
Mas como uma rosa ou um copo de leite.
Bela, com sardas nos ombros e busto,
Tal qual águas de um córrego manso.
Lábios úmidos, poucas vezes secos

E um cheiro de flor.
Sua veste ora branca ora vermelha denunciava certa inocência íntima ou a sua falta.
Saltos altos e finos, que a elevavam além de mim mesmo.
E um olhar... indescritível olhar. Entre terno e doce, entre desafiador e indomado, entre gente e gente.
E assim se sucediam,
Dias de lua, sol e pouco escuro. Não escuridão, escuro.
O escuro que velas alumiam.
Sua fala dissociava-se do ente humano que apresentava.
Suas passadas fortes denunciavam uma menina escondida.
E o vento? O vento em seus cabelos claros flanava meus pensamentos.
Sim, ele os flanava. Os fazia flanar.
Era como olhar o sol sem piscar,
Era como ver sorrindo.
E o tempo, ao seu lado, o voo de uma borboleta ou uma guerra.
Seu nome era alvo, límpido. E sua pronúncia doce.
Nossas mãos se entrelaçavam e havia uma rainha e um rei.
Um ventre naturalmente prolífico havia.
E o céu se abria ou a tempestade se apresentava.
E havia o amor.
E havia o tempo.
E havia o beijo
E nele tudo renascia.
Um aconchego, e um recostar arfado sobre o peito.
A contemplação, miríade de eflúvios de paz. Cumes. Cimos.
O canto do horizonte.
A beleza do tempo,
Do olhar perdido.
E dormia um rei e uma rainha.
E havia um beijo
E tudo nele renascia.

Jardim

Formas. Nanquim.
Risco, rabisco
Cores
Dores
Corpo
Roto, torto. Morto
Corpo
Seiva, suco, tato.
Um mar

Baronesa de Arary

O som dos carros,
Dos ternos
Dos moradores de rua,
De saltos altos

A sinfonia dos carros.
A sinfonia dos carros.
Emoldurando São Paulo
Num cinza do firmamento

Seus alicerces concretos
E seus mosaicos de gente
A concretude do espaço
A imensidão eloquente

Tem gente rindo
E chorando,
E gente indo
E voltando

Na concretude do espaço
No cinza do firmamento
Na poesia dos passos
No frenesi do momento

E gente indo
E voltando,
E gente indo
E voltando,
E gente indo
E voltando.

Natividade

Tenho 34 anos
Tenho 33 anos
Tenho 30 anos
Tenho 27 anos
Tenho 25 anos
Tenho 21 anos
Tenho 18 anos
Tenho 15 anos
Tenho 12 anos
Tenho 7 anos
Tenho 6 anos
Tenho 1 ano.

Tenho todos esses anos em mim. Meus.

Afro-Brasília

Agô.
Cafundó. Cafundó.
Asas encruzilhadas, eixos
Ebó.
Brasília-Ebó, prosperidade.

Candango.
Cachaça, chibata, banzo.
Cerrado habitat, calango.
Cascalho rolado, seixos.
Diversa cidade.

Calangos.
Céu setembrino,
Azul. Azul. Azul esplendor
Meninos.
Luar d'ambar, Chapada
De manto estrelas-flor.

Calangos candangos.
Cerrado cafundó.
Agô.
Brasília nagô.

Bigode

Carrego seu nome comigo,
Meu velho, meu pai, meu amigo.

Reflito seu olhar no espelho
E as falhas de uma calvície.
Encolho meus pés
Para que pareçam os seus.

Imito seu sorriso fácil, franco
E o seu olhar austero.
Pinto lentamente
Meus cabelos de branco.

Prevejo breves janeiros
O tempo inteiro.
Me agarro nesse seu abraço,
Em mente.

Contemplo nossos jantares
Silenciosamente.
Me faço de ausente,
Presente.

Minha cama ainda está feita
Em sua casa.
Há chinelos meus,
Ainda que ande distante.

- Não carregue isso,
Deixe que eu levo.
Tomou seus remédios?
Foi ao médico?

Enxergo um menino
Tão bonito.
E a sombra de uma montanha
Tão alta.

Como somos chatos,
Às vezes.
Aceito,
Sou mais ranzinza.

Mentimos mal,
Verdade.
Mas somos marotos,
No bom sentido, lascivos.

Sou seu menino.
É o meu menino.
Sou seu protegido.
Não mexam contigo.

Somos
Dois em um.
Somos
Um em dois.

Somos,
Só somos.
Um terno eterno
Nós.

Carrego seu sangue comigo,
Meu velho, meu pai, meu amigo.

Vórtice

Passa o tempo passam passatempos,
Com ventos de chegadas-despedidas,
Unguentos e emplastros de alento,
Do tempo de memórias mal sentidas.

Passa o tempo, inexorável tempo
Que se só faz-se cativo
E em par faz-se sentido,
Qual ser ventania ou vento.

Passatempos passam passa o tempo,
Implacável, eterno e lento,
Que no vendaval de culpa
O passado faz detento.

Passa o tempo, inestimável tempo
Do descanso eterno ao ventre
Um espasmo reticente,
No suspiro helicoidal.

Passa o tempo, imponderável tempo
Que da planta faz semente
E das gentes faz a terra
E da terra faz sustento.