segunda-feira, 14 de março de 2011

Afinidade

Aquele olhar que me compreende
Ao largo dos olhos e da verdade
Olhar que busca o encontro ausente
No cio mudo da afinidade.

Aquele olhar que meus beijos rouba
E as roupas despem a seu piscar
É o mesmo atroz que traz fogo a boca,
Faz terra tremer o seu sibilar.

São sardas e pintas sobre alguma mesa,
São camas cobertas ou o chão que há.
Nada mais que histórias a se recordar.

Vencida à luz do dia a virilidade,
E o surto momentâneo de ver-te passar:
Minuendo instante de felicidade.

Melancolia

Eis que vejo este anel de brilhante
Envolto em ouro branco a beldade,
Fez da dúvida certeza instante
Graal de amor e fidelidade.

Selados votos sob manto público
E a pura toga da bel castidade,
Brilho transmuto, noite porvir,
Que a aurora encerra com fealdade.

Do riso ao pranto, a covardia
Das rosas ao fel, uma ironia
A dor crescente, o dia a dia.

E é moribundo o amor selado,
Vai-se sem respeito, jaz na picardia,
Restam-lhe a mágoa e a melancolia.

Tudo

No princípio era o Tudo. E tudo se resumia ao Verbo.
Denso, Quântico, Quente, Uno e Incompreensível.
Compadecido e Cheio de amor, o Verbo Se comoveu,
Numa flexão espaço e tempo, a nós, então, acolheu.

Seu fiat lux, Sua mão amiga, separou céu e terra.
Gotículas Dele animaram horizontes, fomos procariontes.
E o Verbo chamou à Luz Dia e à Noite Trevas,
Cessando o calor. Nossa história, então, estreava.

Eis o livro da vida perfeito: ácido desoxirribonucleico.
Guarda escrito aminoácidos mistérios proteicos,
Verdades do tempo e seus mensageiros, ácidos ribonucleicos.

Pelo Amor compadecido, vertebrados transformamo-nos,
Dos mares à terra firme, até quando rastejamos,
Depois de aprender a mamar, evoluímos a humanos.

Você

Nascia um menino medroso, o ano era 79,
Ainda sem vestes talares, suas fraldas e berço pobres.
Crescido ora no sul, outrora no centro-oeste,
Dividiu-se entre a cuia e o mundo cão faroeste.

Tantos precoces amigos, mortos imoralmente
Perdidos e sem amor, tomados inconsequentes.
Tantas mulheres amadas, vaidade que o tempo escoa,
Quantas decisões tomadas, vida demente que voa.

Embriagado de furia, abstêmio da insensatez,
Fez da espada guarida: brandí-la não mais convém.
Em terra desguarnecida, vigilância coube-lhe bem.

E segue andarilho em pojos, saltando nos vai e vens,
Por companhia o alforge, lembranças e uns vinténs,
Sabendo que na caminhada, faltar-lhe-á sempre alguém.

Indecisão

Seres aleatórios em universos randômicos
Paralelando destinos, alforriando encontros,
Desencontrando no traço, morte, amores e ouro,
Surtando no descompasso, alegre de abatedouros.

Amarelinha da vida, um passo em falso alçapão,
Decida-se ou lhe devoro, não há outra solução,
Barco com furo no casco? Não bastará o timão,
É saco furado, vazio, o cheio de indecisão.

Decidir pode ser litúrgico, ou vir de um encontrão,
Muda azimute da vida, qualquer simples conclusão.
Cerzir histórias do tempo? É linha pura ou linhão!

Nada escapa da morte, tampouco da indecisão,
Do berço a Deus ou Diabo, um ou outro seguirão,
Nada é tão fácil ou difícil quanto tomar decisão.